Por Alexandre Lima
No dia 02 de fevereiro de 2023, foi inaugurada uma unidade demonstrativa de máquinas para a agricultura familiar em Apodi, no Rio Grande do Norte. A primeira questão central que precisa ser abordada é que, historicamente, a lógica que marcou a mecanização rural no Brasil foi pautada nas grandes máquinas e implementos, totalmente voltada para atender às necessidades das propriedades do agronegócio, direcionadas à produção de commodities com elevado valor de comercialização para exportação.
Essa opção foi determinante para excluir a agricultura familiar do processo de mecanização, especialmente a nordestina, que representa 48% da agricultura familiar do Brasil, com mais de 1,8 milhão de estabelecimentos. A consequência direta desse modelo reflete nos baixos níveis de mecanização da agricultura familiar do Nordeste, onde apenas 2,3% das propriedades classificadas como agricultura familiar possuem tratores, por exemplo, impondo às famílias nordestinas uma atividade laboral extremamente extenuante. Não é por acaso que o grande sonho das famílias rurais da região é tirar seus filhos dessa atividade, como consequência direta da dificuldade e penosidade do trabalho rural exercido, intensificado pelas condições climáticas típicas de um clima semiárido.
Diante desse quadro, torna-se fundamental um novo modelo de mecanização voltado para atender às necessidades da agricultura familiar do Nordeste, considerando sua realidade agrária (53% das propriedades possuem até 5 hectares), ambiental (predominância do clima semiárido e dos solos) e social. Desta maneira, não é possível simplesmente introduzir o modelo existente no Brasil de grandes máquinas e implementos. Faz-se necessário a massificação de um novo paradigma de máquinas e implementos de pequeno porte e baixo custo de aquisição e manutenção, adaptados à realidade da agricultura familiar. Essa mecanização deve estar a serviço da produção de alimentos saudáveis, seguindo os princípios da agroecologia e da convivência com o semiárido. Além de servir para incorporar as mulheres e a juventude rurais ao processo produtivo, deve contribuir para a tarefa central de alimentar nosso povo com comida de verdade.
Os Governos Estaduais do Nordeste, por meio da câmara temática da agricultura familiar do Consórcio Nordeste, estabeleceram a centralidade da agenda de tecnificação e mecanização da agricultura familiar na região. A parceria com a Universidade Agrícola da China (CAU), o Instituto de Cooperação Internacional Campesino (IAPC), empresas chinesas de produção de máquinas, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Norte (FAPERN), a Cooperativa Xique-Xique, o Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) irá viabilizar a montagem de um centro internacional de testagem de máquinas e implementos chineses de pequeno porte em Apodi. As máquinas doadas pelas empresas serão testadas por um ano, sendo avaliados o seu desempenho mecânico, seu impacto no incremento da produção e na vida das famílias, especialmente na redução da penosidade do trabalho das mulheres e dos jovens.
Importante frisar que a parceria com a China tem um sentido de cooperação tecnológica e não de simples importação de máquinas e equipamentos. O objetivo central é estabelecer uma cooperação internacional para troca de conhecimento e trazer indústrias para produção de máquinas no Nordeste e Rio Grande do Norte, aliando industrialização, geração de trabalho e renda com produção de alimentos saudáveis oriundos da agricultura familiar do Nordeste e do Brasil.
Não tenho dúvidas do caráter revolucionário dessa iniciativa de ampliação da mecanização da agricultura familiar ao construir uma nova geração de políticas públicas que melhorem a vida de nosso povo, produza alimentos e esteja em total sintonia com a ampliação da resiliência climática das populações mais vulneráveis do meio rural brasileiro, em tempos de mudanças climáticas.
Alexandre Lima é professor do curso de Gestão Ambiental da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar e coordenador da Câmara Temática da Agricultura Familiar do Consórcio Nordeste.